Actividade Empreendedora em Portugal

1 – Segundo os últimos dados do GEM o índice de criação de empresas aumentou em Portugal no ano passado, indicando que nove em cada cem portugueses iniciaram uma actividade empreendedora (mais 5,4% do que a média europeia). Como avalia estes dados?

Numa primeira abordagem de maneira muito optimista.

 

Mas quando aprofundei a análise dos diversos factores em estudo nomeadamente tendo como comparação os países do continente americano ou da Ásia e Médio Oriente só posso ficar extremamente preocupado pois os números demonstram que continuamos a ficar afastados dos players mundiais que estão a fazer a diferença nomeadamente no empreendedorismo de base tecnológica que como sabemos é o que permite criar as empresas no sector dos produtos e serviços transaccionáveis.

Por isso mais do que ficarmos satisfeitos com os números referidos devemos urgentemente interiorizar que precisamos de uma sociedade empreendedora em que a inovação e o empreendedorismo sejam comuns, estáveis e contínuos. Nesse sentido a inovação e o empreendedorismo tem de se tornar uma actividade integral e vital nas nossas organizações, na nossa economia e na nossa sociedade pois só assim podemos estar em pé de igualdade com as nações que mais avançam neste tipo de reformas.

Refira-se a propósito para que tenhamos consciência do trabalho que temos pela frente que a maioria dos empreendedores de século XXI da China são antigos professores ou gestores sénior nas indústrias de tecnologia ou de conhecimento. Eles têm capacidades e estão altamente motivados para competirem frente a frente com os japoneses, com os europeus e com os americanos. Eles são "empreendedores de oportunidade" que querem desempenhar um importante papel na economia global.

Em face do exposto não é de estranhar que actualmente sejam criadas entre quatro a cinco milhões de start-ups por ano na China e que essa dinâmica esteja a ser encorajada através de um fenómeno académico nunca visto em nenhum país do mundo. Com efeito há centenas de activistas, académicos empreendedores em universidades líderes por toda a China, que parecem estar a dar à revolução do empreendedorismo uma energia muito intensa, especialmente junto dos jovens.

O mais incrível para qualquer observador ocidental sobre estas três fases empreendedoras é que a China passou por, entre 20 a 30 anos, o que a Europa e os Estados Unidos passaram por nos últimos 200 ou 300 anos. Esta sim é uma taxa vertiginosa de mudança por padrões históricos que Portugal e os portugueses deveriam ser capazes de empreender.

Ora se a China conseguiu fazer esta revolução empreendedora, com os seus 1300 milhões de indivíduos, porque motivo Portugal não o poderá fazer?

2 – Na sua opinião esta actividade pode ser uma forma de fazer frente à subida do desemprego e à crise económica que atravessa o país, tentando obter um rendimento extra?

Naturalmente que sim, conforme confirma o citado estudo do GEM ao revelar que um terço da taxa de actividade empreendedora early stage- i.e. dos negócios mais recentes – em Portugal é realizada em regime de part-time por forma a complementar a principal fonte de rendimento dos empreendedores. Esta opção é alias vista como uma possibilidade de explorar uma actividade empreendedora sem descurar a actividade principal que é normalmente a fonte de rendimento mais estável.

Contudo na minha opinião ser empreendedor nas horas vagas raramente funciona de forma sustentada.

Pode-se até ter um produto/serviço, vendas e até lucros mas se o Empreendedor não tiver uma correcta gestão, isto é, um posicionamento estratégico que lhe permita saber para onde caminha e como irá percorrer esse caminho – táctica – ou seja o que os seus colaboradores tem de fazer e quais os resultados que se devem atingir, dificilmente uma actividade empreendedora poderá sobreviver por mais dedicado que seja esse empreendedor ou a qualidade dos produtos/serviços que ele comercialize.

3 – Que cuidados adicionais devem ter estes empreendedores que investem em época de crise?

Independentemente dos tempos serem de crise ou não qualquer empreendedor que lança os seus negócios deve :

(I) Focar-se no mercado pois não se pode esquecer que o seu produto/serviço é definido pelos clientes e não pela sua capacidade produtiva ou mesmo de investigação.

(ii) Possuir perspicácia financeira e especialmente um planeamento antecipado das necessidades de tesouraria e de capital.

(iii) Antecipar a necessidade de reforçar as suas competências de gestão antes que o negócio o venha a exigir.

(iv) Definição correcta das funções que se encontra preparado para desempenhar i.e. onde pode acrescentar valor e se sinta bem.

O problema é que na generalidade dos casos os Empreendedores têm o hábito de recusar estas técnicas com base na ideia de que elas são técnicas de gestão enquanto eles "são empreendedores". Ora como nos ensinou o Professor Peter Drucker isso não é informalidade mas sim irresponsabilidade.

4 – Não há o risco de se tornarem "empresários temporários", já que encontram aqui uma porta de saída que pode não ser muito segura?

Naturalmente que esse será o resultado esperado caso o Empreendedor não consiga atempadamente reunir no seu pequeno empreendimento competências de gestão ao nível administrativo, financeiro, logístico, marketing, vendas e recursos humanos.

E contrariamente ao que muitos empreendedores argumentam quando tentam justificar as razões do insucesso dos seus projectos, de que o recurso a essas competências não se encontravam ao dispor dos seus meios financeiros, sou da opinião que hoje em dia com o recurso ao outsourcing especializado se conseguem preços perfeitamente compatíveis com as estruturas familiares com que os empreendedores gerem os seus empreendimentos iniciais.

Ou seja se o Empreendedor tiver por hábito recorrer a conselhos independentes, mesmo que de amigos mais próximos com conhecimentos de gestão, normalmente poderá obter recomendações que o podem ajudar a ultrapassar questões mais delicadas e para as quais ele não possuía preparação para as ultrapassar.

5 – Que tipo de negócios surgem tendencialmente nestes momentos?

Os negócios orientados ao consumidor – bares, restauração, alojamento, saúde, educação, lazer – são sem dúvida o sector de maior importância na actividade empreendedora quando se trata de lançar novos negócios no nosso País não sendo assim de estranhar que 46% dos novos empreendedores tenham iniciado neste sector os seus negócios. Logo de seguida vêm os serviços dirigidos a clientes organizacionais a que não será estranho as consequências dos processos de reestruturação e outsourcing a que as grandes empresas estão a recorrer originando assim novas oportunidades – o que demonstra que ainda temos um longo caminho a percorrer no sentido de estimularmos o empreendedorismo de base tecnológica que nos permita a criação de empresas no sector dos produtos e serviços transaccionáveis.

Apesar de tudo gostava de salientar que o empreendedorismo e a inovação podem ser alcançados em qualquer negócio. Mas é preciso que, de forma consciente, o empreendedor trabalhe para os alcançar. Ambos podem ser aprendidos, mas para isso é preciso muito esforço ou como dizia o Professor Ernâni Lopes : estudar, estudar, estudar, trabalhar, trabalhar, trabalhar, trabalhar!!!

6 – O Verão pode também ser uma oportunidade de negócios e rendimento extra. Há muita gente a procurar o vosso apoio para criar estes pequenos negócios sazonais?

Sem dúvida. Vide por exemplo alguns professores que nas férias de verão dinamizam os conceitos das Clínicas de Férias oferecendo aos seus alunos serviços, a um preço deveras competitivo, muito profissionalizados e perfeitamente adaptados às características desses jovens e que inclusivamente recorrem a antigos alunos para exercerem as funções de monitores.

Na Gesventure, que como sabe é uma empresa especializada na angariação de capital que permita aos empreendedores portadores de negócios com elevado potencial de crescimento e valorização materializarem os seus "sonhos", não temos por hábito concentrar os nossos recursos no apoio a projectos com as características sazonais a que se refere, pois dificilmente os mesmos poderão captar o interesse dos investidores institucionais. No entanto se um empreendedor detectar um determinado nicho de mercado para o qual tenha a capacidade de conceptualizar uma solução que mereça a receptividade dos clientes e com estes tenha a capacidade de criar fortes relações que façam pressupor que esta solução possa ser replicada, mesmo que sazonalmente, noutros espaços geográficos e no mesmo segmento de mercado certamente que a Gesventure irá apoiá-lo no processo de angariação de capital, pois estaremos em presença de um negócio com características escaláveis, logo de retornos económico-financeiros certamente interessantes.

7 – Que cuidados adicionais há a ter nestes projectos empresariais?

Penso que a preocupação essencial passa pela definição clara do objectivo que se pretende atingir e todos os esforços têm de se centrar nele por forma a que quando esses esforços comecem a produzir resultados o Empreendedor possa estar pronto para mobilizar os recursos que se venham a tornar necessários para desenvolver/manter esse projecto.

Vide por exemplo o empresário de restauração Gigi que se concentra totalmente na gestão do seu restaurante da Quinta do Lago nos cerca de três meses que dura a época balnear, indo ao ponto de ser ele próprio a comprar o célebre peixe com que honra os seus clientes ou o caso do Professor de Educação Visual do Colégio Vasco da Gama, Vítor Hugo, que tem o hábito de realizar Clínicas de Férias que anualmente proporcionam quinze dias de verdadeira "loucura" a jovens com idades compreendidas entre os 12 e 15 anos com deslocações por exemplo: Eurodisney, Parque Asterix, Campos Elísios.

8 – Três sugestões de negócios de Verão e ideias para rentabilizá-los no Inverno…

Os mercados estão em profunda transformação e por isso as oportunidades emergem de forma contínua.

Porém gostava de aproveitar a oportunidade desta questão para sensibilizar os empreendedores para as oportunidades que estão a emergir por força dos impactos e problemas sociais.

Com efeito faz parte da função de um negócio satisfazer uma necessidade social e ao mesmo tempo ajudar-se a si próprio transformando a resolução de um problema social numa oportunidade de negócio.

Exemplo: prestar serviços de entretenimento a pessoas tetraplégicas durante o verão e através dessa comunidade desenvolver no inverno serviços de call center, traduções, processamento de texto etc… às empresas, estudantes e profissionais liberais.

  

Entrevista à Jornalista Cátia Mateus para o Expresso de 2 de Agosto de 2008

 


Licenciado e Mestre em Gestão de Empresas. Presidente da Gesbanha, S.A., especialista em capital de risco e empreendedorismo, investidor particular ("business angels") e Presidente da FNABA (Federação Nacional de Associações de Business Angels). Director da EBAN e da WBAA

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