A Raiz do Problema, por Vítor Bento

 

O excelente site do Fórum para a Competitividade referenciou este excelente artigo de Vítor Bento, economista e presidente do Conselho de Administração da SIBS, sobre as causas subjacentes aos problemas que a economia portuguesa apresenta.

“A raiz do definhamento da economia portuguesa está na alteração de “termos de troca” internos que, desde 1990, tem favorecido uma enorme transferência de rentabilidade do sector transaccionável para o sector não transaccionável da economia.

Desta forma, o sector transaccionável tem sido atrofiado e o não transaccionável – que funciona num mercado protegido e com margens asseguradas (seja pelos preços administrados, seja pela garantia de vendas ) – tem registado uma enorme prosperidade. E, como consequência, a economia, como um todo, foi continuamente definhando e endividando-se ao exterior.

 

Não podem, pois, surpreender três consequências desta situação. A primeira é que o sector não transaccionável, apesar de ser o marginalmente menos produtivo, se tornou no sector mais rentável da economia. O que só é possível extraindo rendas do outro sector.

A segunda é que esta transferência de valor tornou o sector não transaccionável no destino mais procurado pelo investimento financeiro e pelos talentos do país. E criou um incentivo perverso para que os principais recursos da economia sejam canalizados para o sector onde a produtividade menos cresce, sacrificando o potencial de crescimento do país.

E a terceira é que, com estas condições de funcionamento, se favoreceu a instalação, e cristalização, à volta deste sector, de uma poderosa aliança de interesses que resistirá a qualquer mudança.

Interesses que, contrariamente ao que se possa pensar, não são apenas económicos. São também sindicais, pois se se olhar para o panorama desta actividade verifica-se que a sua maior implantação, o seu maior poder reivindicativo e os seus maiores sucessos têm lugar, precisamente, no sector não transaccionável: Estado, empresas públicas e grandes empresas, principalmente.

E verifica-se também que o seu sucesso é tanto maior, quanto mais facilmente as instituições que se lhe opõem negocialmente – empresas e serviços públicos – consigam socializar os seus custos, seja através dos preços, transferindo-os para os consumidores, seja através dos impostos, transferindo-os para os contribuintes.

Além disso, o sector não transaccionável conseguiu “capturar” a própria governação. O que foi muito facilitado por a entrada no euro ter instigado a errada convicção de que a gestão macroeconómica se tornara obsoleta e que todos os equilíbrios relevantes da economia passariam a depender da correcta gestão dos interesses e dos equilíbrios microeconómicos.

Os governos passaram assim a sentir muito mais apelo para se imiscuírem nas estratégias empresariais do que na gestão macroeconómica do bem comum, como seria seu dever. E o sector não transaccionável é precisamente o que oferece mais, e mais aliciantes, oportunidades de dar satisfação a este novo apelo. Tanto mais que, envolvendo-se os governos nos interesses económicos do sector, mais facilmente se predispõem a reforçar os mecanismos de protecção da sua rentabilidade.

Daí que, se se quiser devolver a economia à senda do crescimento sustentável, seja necessário perceber a essência deste desequilíbrio estrutural, repor os “termos de troca” em favor do sector transaccionável – sem o qual uma pequena economia nunca poderá prosperar – e devolver a governação à sua missão principal.”

In “Diário Económico”, 10/07/2010

 


Licenciado e Mestre em Gestão de Empresas. Presidente da Gesbanha, S.A., especialista em capital de risco e empreendedorismo, investidor particular ("business angels") e Presidente da FNABA (Federação Nacional de Associações de Business Angels). Director da EBAN e da WBAA

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Um comentário a “A Raiz do Problema, por Vítor Bento”

  1. Jorge Pires says:

    Sobre este assunto já antes tinha ouvido Vítor Bento no programa Plano Inclinado da SIC Notícias e já gostara da sua elucidativa participação no painel. E ele, como p.ex. Medina Carreira, são bons exemplos para a sugestão seguinte não obstante a economia política ter abordagens diferentes com receitas cujos resultados não são perfeitamente determinísticos.

    Do que a seguir proponho, existem outras soluções possíveis, não é original e até já existe algo análogo. Mas seria necessário ter maior relevância na opinião pública (eleitores) e sobretudo peso legal sobre os deputados e os governos. Deveria pois haver um, chame-se p.ex., Conselho Nacional da Economia e Bem Estar Social (ou outra designação com actuação também sobre as Finanças Públicas) e com poderes de prescrição económica para a nação.

    No fundo como se fosse um conselho ou uma reunião de médicos onde, sobre um doente, é determinado o diagnóstico, a intervenção e o prognóstico. Se não se seguir o que os profissionais da medicina apontam, as consequências para o paciente no mínimo serão pouco positivas. E refira-se que outras profissões não podem legalmente exercer essa actividade clínica.

    Analogamente o mesmo se passará para saúde de um país. Não ligar ao que um grupo de peritos diz ou, pior, haver muitos políticos e outros indivíduos a conjecturarem e a desempenharem uma ocupação para o qual não têm competências, resulta depois nas consequências macroeconómicas que todos conhecemos. E que se reflecte também nos outros vectores da sociedade – emprego, cultura, segurança, etc.

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