Entrevista à Jornalista, Alexandra Correia, da Revista Visão em 24 de Fevereiro de 2015
1 – Na sua atividade, de que forma tem de lidar com o futuro?
Na qualidade de empresário, percebo um mundo cada vez mais complexo, global, cruzado por comunicação instantânea, mergulhado em inovação tecnológica permanente, onde a interacção é constante, com empresas cada vez mais capazes e organizadas, de consumidores e grupos de interesses crescentemente mais exigentes que me obrigam ao estudo exaustivo e multidisciplinar, como forma de conseguir fazer frente aos problemas que diariamente me surgem.
É neste enquadramento de constante evolução tecnológica, que tudo torna perecível e permanentemente obsoleto, que se torna essencial a partilha do Conhecimento e consequentemente a criação de relações tendo em vista identificar empreendedores, que não deixam a resolução dos problemas para os outros, que abraçam a mudança e o progresso através da geração de ideias e da criação de produtos ou serviços que se venham a traduzir em oportunidades de negócio.
Nesse sentido a criatividade, ao nascer do confronto de ideias, do desejo de fazer coisas diferentes, de ser rebelde em relação ao “status-quo”, de apostar em situações inovadoras, obriga-me a uma grande abertura de espírito e a uma curiosidade permanente para que possa ver o futuro como algo que possa criar e não como alguma coisa que me possa acontecer por acaso, uma vez que só assim estarei em condições de encontrar o caminho para ter sucesso numa vivência equilibrada do uso do Tempo e da Vida.
2 – Enquanto business angel, está sempre a investir no futuro. Quais são as variáveis a que dá atenção na tentativa de minimizar os riscos?
Atingir o lucro de forma responsável, construir relações duradouras com os clientes e em fazer uma contribuição positiva para o meio ambiente e para as comunidades onde atuamos são de facto preocupações que transcendem, cada vez mais, a esfera das grandes organizações e se posicionam na rotina dos pequenos negócios tornando, estes, uma verdadeira força propulsora de mudanças, disruptivas, que nos possam conduzir a um mundo novo.
Nesse sentido e na minha qualidade de Business Angels é normal estar, permanentemente, em alerta no sentido de identificar empreendedores que me apresentem soluções que resolvam um problema concreto e que as mesmas possam ser escaláveis para outros mercados, que não apenas aqueles em que os empreendedores se encontram inseridos.
Sempre que essa situação se verifique e que os empreendedores me consigam demonstrar a validade dessa solução – por exemplo através de um protótipo ou prova de conceito – focarei a minha atenção nas variáveis que permitam confirmar a exequabilidade (i) do produto/serviço – cronograma de fabricação ou seja como irá ser produzido é essencial – (ii) do mercado – demonstrar onde será comercializado e por quem – (iii) da organização – modelo de gestão e recursos a utilizar – e (iv) do financiamento – estrutura de capital, endividamento e participação do empreendedor exigida pelo projecto – dependendo de uma resposta positiva a todas estas variáveis a afectação do meu tempo e do meu dinheiro à concretização do negócio.
3 – Quais são as três principais condições que lhe dão a certeza de que uma empresa vai vingar?
Do ponto de vista teórico podemos dizer que existem cada vez mais modelos – Canvas, Lean Startup, Feasibility Analisys, etc…- que nos ajudam a alcançar uma razoável perspectiva de êxito quando investimos em novos negócios. Contudo a realidade é muito mais dura conforme o demonstra facto de continuarmos a assistir a uma taxa de sucesso muito reduzida uma vez que, mesmo nos EUA, apenas 0.4% das startups conseguem atingir o topo do “jogo empresarial” ou seja o IPO.
Naturalmente que as variáveis Inovação – caracterizada pela capacidade de resolução de problemas – Competências do Empreendedor e da sua Equipe e Potencial de Mercado, apresentam-se, quando reunidas, como as que mais condições nos oferecem para acreditarmos que existe probabilidade de o negócio onde vamos investir possa vingar.
Em todo o caso gostaria de aproveitar a resposta, à questão colocada, numa perspectiva mais consentânea com a posição do Business Angels – quando decide investir num negócio que lhe é apresentado – e que variáveis o mesmo terá em linha de conta para tomar essa decisão, contribuindo assim para um melhor conhecimento do “modus operandi” associado à nossa actividade.
De facto ao contrário do que normalmente é entendido, pelos empreendedores, os Business Angels não se focam em demasia no que a empresa faz (o produto ou serviço não se encontram entre os três principais critérios de investimento) mas sim nos critérios que mais garantias lhes dão de poder ganhar dinheiro a partir dos seus investimentos.
De facto, os Business Angels a partir do momento que compreendem o que a empresa faz procuram ver se a sua experiência empresarial é relevante, para potenciar a oportunidade que a startup evidencia, tendo em linha de conta uma futura “venda” numa perspectiva de “venda de oportunidade comercial” e não de “venda de produto”. Os empreendedores, por outro lado, esquecem muitas vezes isso pois têm uma ligação muito forte com o seu produto e fixam naturalmente as suas forças e as suas negociações à volta desse atributo.
Nesse sentido importa saber que os três critérios mais utilizados pelos Business Angels quando avaliam a atractividade de uma proposta de investimento se baseiam na (i) Equipe de Gestão, (ii) Oportunidade de saída da empresa e (iii) no potencial de rendimento que o negócio pode gerar.
De uma forma telegráfica pode-se afirmar que a Equipe de Gestão é o critério mais importante para os investidores uma vez que são pessoas (os investidores) que investem em pessoas.
Os investidores passam bastante tempo a familiarizarem-se com a equipa de gestão e com o negócio. Eles avaliam o seu conhecimento do mercado, a oportunidade e a sua capacidade de executar o plano de negócios. Uma equipa de gestão consiste em mais do que uma pessoa – os investidores normalmente não apoiam empreendedores solitários.
O segundo critério mais importante passa por reconhecer que os investidores querem ganhar tanto dinheiro quanto possível a partir dos seus investimentos. É esse o seu negócio.
Tipicamente, um investidor irá procurar investir 1€ por acção e vender a 7€ ou mais por acção.
Embora este seja o objectivo normal, os resultados podem ser inferiores a estes.
A maioria dos investidores investem para ganhar capital no final de um investimento. Eles não se querem prender a uma empresa “para sempre” e normalmente tentam concretizar os seus investimentos, normalmente num período de cinco a sete anos.
Consequentemente, os investidores procuram oportunidades de capital e não de rendimento (p.ex. dividendos anuais).
Como terceiro critério temos o potencial de rendimento que o negócio precisa demonstrar sendo para isso importante que estejamos perante uma actividade com um crescimento suficiente para render significativamente para o empreendedor e para o Business Angel.
Dentro deste espírito tudo o que poder ser identificado como demonstrativo desse potencial torna-se, muito importante, para o Business Angel nomeadamente: (i) Lista efectiva e potencial de vendas e encomendas; (ii) Tamanho do mercado – precisa ser grande o suficiente, normalmente envolvendo vendas internacionais, para se construir um negócio significativo; e (iii) Provas de qualquer outro negócio, na indústria, com crescimento semelhante ao crescimento que se encontra planeado.
4 – Quais são as variáveis que não pode, de todo, controlar?
Tento sempre, que possível, tomar as minhas decisões baseadas na lógica, nos factos e na experiência empresarial adquirida ao longo de 28 anos, ou seja desde que constitui a minha primeira empresa, a qual me permite saber que, tendo as pessoas certas na equipa e direccionando adequadamente as energias delas que a probabilidade de ter sucesso é significativa.
Apesar de sabermos que o desenvolvimento dos negócios passa por saber lidar com pessoas, dominar os assuntos e conhecê-los de forma detalhada não nos podemos esquecer que a dificuldade maior, em se poder afirmar que teremos ou não probabilidade de sucesso advêm precisamente do facto deste se encontrar associado a aspectos da própria natureza humana que não permitem quantificação como sejam (i) Se estamos a construir algo disruptivo, ou seja sem aderência mínima ao que é conhecido, como iremos conseguir com que outros “stakeholders” essenciais sejam convencidos a se juntarem à causa? (ii) Como assegurar que o propósito e paixão do empreendedor irão permanecer sustentáveis e totalmente adequados à racionalidade que suporta os resultados expectáveis da Startup que lançaram e com a qual convenceram os Business Angels? (iii) Ou como garantir que a resiliência demonstrada inicialmente pelo empreendedor se irá manter ao longo do projecto se todos sabemos que este está sujeito a inúmeros factores que não são controláveis?
5 – Tem ideia do montante total que já investiu? E desse total quanto ganhou e quanto perdeu?
Como Business Angel tenho uma experiência bastante relevante, desde 1999 que o faço, proporcionada por investimentos efectuados em negócios na área dos Jogos Interactivos, Tecnologias de Informação e Comunicação, Educação, Indústria de Outdoor, Produção e Distribuição de Produtos Alimentares e Internet.
Tendo por base negócios caracterizados pelo forte espírito empreendedor dos seus fundadores e pelo conhecimento tecnológico que os mesmos são detentores mas que obrigam a uma forte interligação entre a inovação constante dos seus produtos/serviços com a adopção de modelos de negócio susceptíveis de os fazer chegar ao mercado o facto é que nem sempre tal acontece à velocidade que desejamos pelo que até ao momento ainda me encontro na fase caracterizada pela “rega das árvores” e não da apanha dos frutos” pelo que ainda não chegou o momento para apresentar o saldo dos meus investimentos enquanto Business Angel.
Em todo o caso importa recordar que as motivações que se encontram subjacentes aos Business Angels, e eu não desvirtuo essa regra, reflectem o seu próprio perfil: enquanto investidores pretendemos conseguir uma mais-valia a médio prazo, no momento da venda da nossa participação ou na entrada da empresa num mercado bolsista. Enquanto empreendedores procuramos reviver – ou viver – o entusiasmo e a excitação ligados à criação de uma empresa, em especial no domínio da Internet e das Tecnologias, onde naturalmente o desenvolvimento acaba por poder ser mais espectacular e rápido do que em negócios que são suportados em modelos assentes em melhorias incrementais.
Nesta perspectiva a possibilidade que os meus investimentos me deram – de poder encorajar as equipas, estimulá-las e mantê-las, mas também dizer-lhes onde e quando elas se arriscam a desviar-se do rumo traçado – transformaram-se em experiências únicas que muito contribuíram para continuar a participar no “jogo” da criação e desenvolvimento empresarial e quem sabe obter atractivos resultados no futuro.
6 – Nisto de se investir no futuro há aspetos de pura sorte e puro azar ou é tudo muito controlável?
Como em tudo na vida por mais bem preparados que possamos estar nunca será aconselhável negligenciarmos a importância do acaso, das coincidências porque a história nos confronta com exemplos em que, por vezes, o sucesso se deve exactamente a isso.
Porém nos investimentos que os Business Angels fazem mais importante que a sorte ou azar, são as decisões que têm que ser tomadas, factores que têm que ser ponderados, analisados e dissecados. Investimento numa Startup significa que alguém identifica oportunidades de existir retorno financeiro derivado desse investimento ou seja que vê futuro no desenvolvimento do projecto em que decide investir.
Nesse sentido mais importante que nos guiarmos pela sorte ou pelo destino é suportarmos as nossas decisões com muito trabalho o qual acaba por estar sempre ligado à identificação de empreendedores com visão sobre o futuro do projecto e com capacidade de adaptação do mesmo no tempo, nomeadamente ao nível da antevisão e visibilidade de possíveis fragilidades do modelo de negócio só possíveis de ultrapassar através da capacitação dos empreendedores e dos investidores da necessidade de acautelarem os riscos e planearem as formas de os superar.
Como facilmente se pode depreender este trabalho árduo, que se torna necessário desenvolver, nem sempre é fácil de ser compensado uma vez que os Business Angels ao investirem essencialmente em startups – que na sua génese podem possuir cenários bastante atractivos em função de modelos de negócio altamente escaláveis, a baixos custos e a partir de ideias inovadoras – nem sempre conseguem atingir os resultados esperados conforme é demonstrado pela experiência de Silicon Valley onde apenas 1.000 a 2.000 startups, das 10.000 a 20.000 inicialmente financiadas por Business Angels, conseguem passar ao estádio seguinte de financiamento, isto é, à negociação com os disputadíssimos Fundos de Venture Capital.
7 – Quer dar um exemplo de uma aposta ganha (e porquê)?
Recentemente fomos surpreendidos com a avaliação que foi dada à empresa Snapchat por esta ter atingido um montante de 10 mil milhões de USD a que não será de estranhar o potencial de evolução que a mesma possui tendo em linha conta os mais de 100 milhões de utilizadores activos que regista mensalmente.
Estes números são de facto fantásticos quando estamos perante uma Startup que foi lançada, somente em 2011, por dois jovens estudantes da Universidade de Standford que no decorrer de um trabalho final na área do Design de produto identificaram uma aplicação que permite aos seus utilizadores poder tirar fotos, gravar vídeos e adicionar textos e desenhos à imagem, e escolher o tempo que a imagem ficará no visor dos amigos que pertencem à sua lista de contactos.
Com um primeiro round de financiamento de 485 mil Usd – por exemplo em Portugal também já temos dezenas de empresas financiadas com estes montantes… – esta Startup veio a conseguir posteriormente mais 5 rounds o último dos quais em Dezembro de 2014 no valor global de 485 milhões de Usd tendo pelo caminho os empreendedores resistido – ao contrário dos empreendedores da também Startup Instagram que decidiram alienar esta ao Facebook – a uma oferta de aquisição por parte do Facebook de mais de 3 mil milhões de USD…
Independentemente de se poder considerar este serviço uma ideia tão trivial e “estúpida”, a exemplo do que aconteceu anteriormente com o Twitter ou mesmo com o Facebook, o facto é que quando dezenas de milhões de pessoas o utilizam então o “ônus da prova” passará, certamente, a estar mais do lado daqueles que não acreditam do que do lado dos empreendedores e dos seus investidores que criaram e ajudaram a criar algo que tem valor reconhecido pelo mercado.
8 – Que tipo de sinais, dados pelos cenários macro, é que um investidor tem de ser estar absolutamente atento para ler bem a realidade e, assim, prever o futuro?
Estou convencido que irão continuar a ter a sua ênfase nas “coisas” do mundo económico: Empresa, Inovação, Estratégia, Tecnologia e Competição ou seja na difícil “Arte de ficar vivo” que caracteriza o papel fundamental de um gestor e naturalmente de um investidor com o perfil de um Business Angel.
Apesar das economias e as sociedades estarem cada vez mais permeáveis a efeitos externos, como o terrorismo, funcionarem menos na estrita lógica da oferta e da procura, estarem sujeitas aos desafios ambientais e por força disso serem condicionantes que marcam uma realidade a ter em linha de conta sou da opinião de que as impressionantes Mudanças, Tecnológicas– porque geram maior acesso à informação- Económicas– que criam economias globais partilhadas- e Demográficas- que proporcionam maior diversidade nos negócios-, que estamos a viver- e ainda estamos no início… me permitem ter a ideia de que o Futuro está em aberto e como tal caberá aos investidores reunirem-se de todos os instrumentos possíveis de maneira a determinarem o que este será criando por meio da sua inteligência e imaginação os seus próprios cenários.
De facto a Economia de Rede que está a caracterizar os nossos tempos proporcionará que o risco seja encarado como oportunidade e não apenas como ameaça, a crescente eficiência dos mercados para capital humano e a necessidade de novas formas de capital social. Estes três factores relacionados entre si assumirão formas que mudarão para sempre a maneira como as pessoas físicas, as empresas e a sociedade geram, acumulam, controlam e distribuem a riqueza.
9 – Qual a sua idade e formação
Possuo 52 anos e tenho uma Licenciatura em Organização e Gestão de Empresas, MBA e o Mestrado em Gestão pela Universidade Técnica de Lisboa.