Por Nuno Fernandes Thomaz
em Fórum para a Competitividade
1. A fazer fé nas estimativas de crescimento para 2009 – a da Comissão Europeia para os 27 Estados membros e a do Governo para Portugal – vamos finalmente atingir o objectivo perseguido e nunca atingido na última década: a convergência com a média europeia.
Ironia do destino, vamos conseguir a convergência não por crescer mais que as outras economias europeias, mas por contrair menos do que elas.
Ironia das ironias, ainda a fazer fé nas ditas previsões, e com a excepção da inflação, vamos atingir a convergência num período em que tudo o que deveria estar a descer vai subir (desemprego, défice, dívida pública) e tudo o que deveria estar a subir vai descer (investimento, exportações, produtividade).
2. Como sempre acontece nestas situações, há quem perca com as crises, quem queira aproveitá-las para fins ideológicos, e quem delas saiba tirar proveito.
Uma maioria desatenta limitar-se-á a culpar a crise internacional e contentar-se-á em responsabilizar por ela a ganância de certos banqueiros, estrangeiros ou nacionais. São os perdedores, porque no mais suave dos cenários terão sempre de apertar o cinto.
Uma minoria activa pretenderá enterrar solenemente a economia de mercado, numa tentativa de queda do muro de Berlim de sinal contrário, sem se dar conta de que a alternativa que tem para apresentar já não é a Rússia ou a China, é a Coreia do Norte. São os empatadores, que perderão brevemente o seu trunfo principal com a saída de George Bush.
Pelo seu lado o Governo, há muito em campanha eleitoral, avançou de imediato com a hábil tese das duas crises económicas: uma interna, herdada dos governos PSD/CDS, que proclama com triunfalismo ter vencido; e outra externa, à qual a nossa pequena e aberta economia não poderia obviamente escapar. É o ganhador, pois servir-se-á da crise para justificar promessas não cumpridas e resultados não conseguidos.
3. Contudo, quem olhe atentamente a realidade da nossa economia na última década não poderá deixar de ter opinião diferente do governo: as duas crises – a interna e a externa – existem de facto, só que a crise interna está longe de estar vencida.
Bem pelo contrário, a crise interna vem-se agravando ao longo dos últimos anos – e a crise externa mais não fez do que destapar os problemas mais graves da nossa economia e dificultar bastante a sua resolução.
Não vale a pena descrever aqui em pormenor os ditos problemas – os diagnósticos estão há muito feitos, e o Forum para a Competitividade não se tem cansado de os elencar.
Mas vale a pena fazer a triagem entre os problemas imputáveis à crise e as questões estruturais que há muito se arrastam sem que governo algum as tenha conseguido combater nos últimos anos.
4. Contribuindo para essa triagem, avanço o excessivo endividamento público, alimentado na maior parte pelo endividamento externo. Para compensar a anorexia das fontes de poupança interna, o endividamento externo atingiu nos últimos anos níveis perigosamente elevados (a banca portuguesa teria tomado no exterior cerca de 40 milhiões euros por dia em 2007), causando um forte desequilíbrio nas contas externas.
(Um simples indicador na balança corrente: os encargos ao exterior a título de “rendimentos” maioritariamente de capitais foram de 7,0 mil milhões de euros em 2003 e de 20,0 mil milhões de euros em 2007).
Ora, a degradação da balança corrente é, sobretudo, consequência da talvez mais grave condicionante da nossa economia que é a tradicional falta de competitividade – não se podendo imputar à crise mais do que previsíveis restrições num futuro próximo à tomada do necessário financiamento internacional.
5. É neste enquadramento preocupante que, em ano eleitoral, vamos finalmente atingir a convergência.
Fácil de imaginar: no que corra bem o mérito será do governo, no que corra mal a culpa será da crise…