Novos Povoadores à conquista do Interior

Artigo publicado no P2 do Público e referenciado pelo blog Inovação & Inclusão:

 

"Sou a prova viva de que com Internet podemos trabalhar em qualquer lado"

Frederico Lucas tem 37 anos, três filhos e uma ambição: promover o

êxodo urbano, trazer consumidores para os territórios de baixa densidade.

Com o projecto Novos Povoadores, de que é co-autor, quer também demonstrar que se pode ganhar dinheiro a partir de qualquer sítio. Ele está a tentar fazê-lo, a partir de Trancoso. E há muitas famílias interessadas em seguir-lhe os passos. Por Luísa Pinto

Quando cheguei, estava deslumbrado. Vim para Trancoso em 2004, atrás da minha ex-mulher. Depois de termos vivido em Telheiras, mudámo-nos para Azeitão. Foi lá que nasceu o nosso terceiro filho, em 2002. Foi em Azeitão que fiquei quando nos separámos, com os dois mais velhos, de três e cinco anos, na altura. Eu trabalhava como consultor na área da comunicação. Demorava uma hora a chegar a Lisboa, e outro tanto a regressar, gastava dez euros por dia, já sem contar com combustível, que nem me lembro a quanto estava. Quando me mudei, os meus custos fixos passaram de 1750 euros por mês, entre casa e infantários e ATL dos filhos, para 390 euros.

Poder almoçar e jantar fora os dias que me apetecesse era uma coisa que havia saído há muito das minhas possibilidades.

Aqui, passaram-me a sobrar semanas. Deslumbrei-me. Também com a qualidade de vida. Uma pessoa pode entrar às nove e sair às cinco, ganhar três vezes mais do que paga de renda e infantários (que aqui são subsidiados por toda a gente, entre câmara, Misericórdia e Segurança Social). É uma tranquilidade. O único dia em que há trânsito, isto é, dois carros num semáforo, é à sexta-feira, em que há mercado semanal.

Lembro-me que nos primeiros dias, depois de chegar, deixavam-me um saquinho de legumes à porta. Fazem muito isso. Sabem que alguém chega, não tem terras cá, e lá nos põem à porta batatas, cenouras… é uma coisa muito agradável. Mas há o outro lado, o do controlo social. Dá-me um certo gozo dizer que se o meu filho sair da escola, e se eu perguntar a duas ou três pessoas, alguém saberá onde ele está. Mas isto também significa uma perda de privacidade e de anonimato a que estávamos habituados nas cidades, onde nem se sabe o nome do vizinho de baixo.

Uma vez cheguei de Lisboa, bati à porta da minha ex-mulher, e foi a do lado que se abriu, e foi a vizinha quem me disse: ‘Os seus filhos foram ao cinema.’ Temos de aprender a viver com isto. Eu não conhecia a senhora. Mas ela sabia que os meus filhos estavam no cinema. Aliás, aqui há dias, voltei ao cinema com eles em Lisboa. Foi um susto. Paguei 38 euros. Em Trancoso pagamos pouco mais de sete.

Foi aqui, em Trancoso, que conheci a Ana Linhares e o Alexandre Ferraz e que, a três, desenhámos o projecto dos Novos Povoadores. O Alexandre, que é do Pombal, tirou um curso de turismo, era recepcionista de um hotel, e veio para cá em 2002 porque foi aqui que encontrou um emprego qualificado.

A Ana é de Barcelos e veio atrás do Alexandre, e atrás de emprego.

Somos o Santo António

Foi aqui que nos cruzámos todos, e isto já é um sinal das dificuldades que pode haver na integração numa comunidade rural. Não é por acaso que três pessoas que são de fora é que se juntam. Porque há dificuldade. Se tivéssemos sido acolhidos de outra maneira, este projecto não teria sido concebido assim e até podia ter sido feito com pessoas de cá. projecto Novos Povoadores surgiu de uma conversa com o Alexandre. Começamos a partilhar as dificuldades do desenvolvimento nestes territórios. Se estes territórios têm qualidade de vida para oferecer, por que é que as pessoas não os habitam? Chegamos à questão simples: porque não têm emprego.

Mas, então, eu também não tenho emprego em Trancoso e é aqui que eu moro. Sou assim uma ave tão rara? Há mais pessoas que podem fazer isto.

Eu posso trabalhar a partir de qualquer lado – aliás, agora estou a pensar mudar-me para Marvão –, a única coisa que preciso é ter acesso à Internet. É a economia DNS (Domain Name Server). Com ela, as pessoas já podem vir para estes territórios de baixa densidade, que precisam desesperadamente de consumidores, mas que não têm empregos para oferecer. Com a economia DNS, já não é o território que gera o seu posto de trabalho. Os postos de trabalho ganharam independência geográfica, o meu contabilista pode estar em Vila Real, onde quiser, só tem de receber os meus papéis.

Eu vou contratar o contabilista que me for mais barato, e o que conseguir ser mais competitivo.

Eu fiz o mesmo. A minha tabela de honorários desceu 30 por cento, desde que me mudei para Trancoso, onde continuo a trabalhar como consultor de várias empresas. O trabalho para uma dessas empresas obriga-me a ir uma vez por semana a Lisboa.

Não sou formado em economia do desenvolvimento, nem em gestão territorial. Mas especializei-me a devorar estes temas, e a frequentar tudo o que é congressos e seminários. Acho que a economia acabou com os postos de trabalho, para haver cada vez mais empreendedores. Cada vez mais ganhamos em função das peças que fazemos e cada vez menos ganhamos um ordenado de uma empresa, mas sim de um projecto específico. Isso acontece comigo há já 17 anos. Foi o que sempre fiz.

Tirei um curso técnico de realização, que nunca utilizei, e sou a prova viva de que se pensarmos em algo com Internet podemos trabalhar em qualquer lado. E habitar estes territórios que nos dão qualidade de vida.

Sabemos que há pessoas que procuram estes sítios. Sabemos que há municípios que precisam de quadros qualificados, de consumidores. Nós somos o Santo António. Casamos território com pessoas. Estivemos três anos a discutir o projecto, a desenhá-lo. Não sabíamos como fazer deste modelo um negócio. Só o conseguimos em Dezembro de 2008, quatro meses antes de apresentar o projecto.

Ganhar dinheiro

Quem paga o nosso serviço são as câmaras, por cada cinco famílias que se mudam para o território, e que lá ficam pelo menos um ano.

Mas nós não cobramos um cêntimo às famílias, e não lhes pagamos, sequer, um café. As despesas e as poupanças serão todas por sua conta. Nós só as ajudamos a maturar este processo, esta ideia. Para que elas percebam que estes territórios têm muitas características boas, e outras menos boas.

Não andámos à procura de ninguém. As famílias que se querem mudar é que nos procuram no site [http://www.novospovoadores.pt].

E trabalhamos com municípios aderentes, com aqueles que têm verdadeiramente um projecto, um objectivo.

Para já, temos três no cardápio: Évora, Marvão, Idanha-a-Nova.

No caso de Évora, o dilema é a desertificação do centro histórico. Pediram-nos apoio para angariar famílias que queiram viver na zona histórica de Évora. As casas estão todas a ser remodeladas, depois são arrendadas às famílias. As famílias que nos procuram – temos cerca de 300 inscritas – querem sair do mundo urbano quase sempre por duas razões: ou porque estão a pensar em ter filhos ou porque querem apoiar mais os pais.

Perguntam-me muitas vezes o que é que alguém que vive em Lisboa pode procurar numa cidade como Évora. Tantas coisas. Quem vive nos territórios de baixa densidade acha que eles são desinteressantes. A vantagem destes novos povoadores é poder mostrar aos de lá que se pode ganhar dinheiro naquele sítio.

Nós não somos uma agência imobiliária, mas ajudamos a identificá-las nos territórios que as famílias querem ocupar. Não somos agência de emprego, mas ajudamos a criar empreendedores.

E não procuramos só projectos de turismo e de agricultura biológica.

Os territórios de baixa densidade são sistematicamente vistos como oportunidades sempre coladas ao turismo. O que sabemos é que o turismo cresce e representa normalmente à volta de 20 por cento da actividade económica do país. E não cresce mais porque as pessoas procuram territórios autênticos, não vão para os sítios onde está tudo feito para o turista.

Trancoso tem 16 mil turistas por ano. Se duplicarmos o número de t
uristas, para 32 mil, e não há exemplos destes, ganhamos três dias de autonomia anual de orçamento municipal. Temos de multiplicar por cem o turismo para deixarmos de depender do orçamento. Não é por aí que vamos conseguir a independência que se está a pedir aos territórios.

Eu acho que o interior sofre de excesso de dinheiro. Os recursos humanos desses territórios são indiscriminadamente integrados nos municípios, e, por falta de trabalho, são “anestesiados” para nada produzirem. São recursos com os quais o território deixa de poder contar para qualquer estratégia para a sua competitividade. E os outros, os empreendedores locais, são contratados pelos municípios ao preço que lhes é confortável para manterem o seu quadro de pessoal.

Deste modo não lhes resta qualquer motivação para competirem, ainda menos no mercado global. Receio que em muitos casos esta falta de visão estratégica não seja obra do acaso. E nesses locais não haverá projecto Novos Povoadores, com toda a certeza.


Licenciado e Mestre em Gestão de Empresas. Presidente da Gesbanha, S.A., especialista em capital de risco e empreendedorismo, investidor particular ("business angels") e Presidente da FNABA (Federação Nacional de Associações de Business Angels). Director da EBAN e da WBAA

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