Pequena livraria local sai da crise com ajuda das redes sociais

 

A Broadway Books, em Portland, E.U.A., estava prestes a fechar as portas, vítima da crise económica americana. Até que o Twitter e a blogosfera surgiram em seu socorro, provando que as novas tecnologias podem, sim, resgatar velhos modelos de negócio.

 

Em Janeiro de 2009, a crise económica mostrava sua face mais opressiva. Por toda parte, o que se via eram negócios fechando as portas e funcionários antigos perdendo seus empregos. Era um fim de tarde quando parei na livraria do meu bairro em Portland, estado de Oregon, para comprar alguns livros que minha mulher precisava para um curso. Eu era o único cliente. O silêncio parecia assustador. “Como vão as coisas?”, perguntei à proprietária, Roberta Dyer (na foto), enquanto ela recebia o meu pagamento. Eu era um cliente habitual da Broadway Books havia mais de uma década, mas há meses que não entrava na loja. Roberta fez uma pausa antes de responder, e imaginei o pior. “Nosso ano foi péssimo”, admitiu. “Mas, em dezembro, aconteceu um milagre.”

Há 17 anos, Roberta enfrentava com coragem o desafio de manter a loja aberta, mesmo diante da concorrência de franshisings e das livrarias on-line. Nunca pensei nela como alguém que acreditasse em milagres. Por isso, ao ouvir sua resposta, imaginei que ela ainda estivesse abalada pelos factos do ano anterior. Qualquer que fosse o golpe de sorte que havia salvo a livraria – uma herança de família, uma doação de um cliente ou outro facto inesperado – , o mais provável era que ainda estivesse muito emocionada para pensar claramente.

Eu estava enganado. A história que ela me contou a seguir era absolutamente surpreendente. Não é todo dia que as novas tecnologias, consideradas as destruidoras das antigas tradições, colaboram para manter de pé dois pilares da velha cultura – os livros e a tradicional loja de bairro, comandada pelo dono. Mas não era só isso. O que eu ouvi de Roberta Dyer era uma história sobre uma mãe e um filho que se ligaram, apesar de sua diferença de gerações; sobre blogs, burritos e tempestades de neve; e sobre o poder de resistência quase místico das pequenas empresas locais. Só o céptico mais insensível não chamaria aquilo de milagre.

Tudo começou na manhã de 8 de Dezembro de 2008, durante a temporada de compras do fim de ano, quando a Broadway Books normalmente alcança 25% de suas vendas anuais. Sentada atrás do balcão de sua livraria vazia, cercada de pilhas de livros não vendidos, Roberta percebeu que a sua facturação estava prestes a desabar. Ela havia aberto a livraria em 1992, depois de passar duas décadas a trabalhar para uma loja de departamentos. Quando eu me mudei para o bairro, no ano seguinte, a Broadway Books já estava estabelecida. Era para lá que os moradores do bairro se dirigiam quando queriam encontrar um bom livro.

Foi assim até Setembro do ano passado. Mas aí tudo mudou. “Comecei a ver um olhar triste nas pessoas”, lembra Roberta. “Era como se elas tivessem perdido a fé nas coisas mais básicas. Ninguém comprava mais nada nas lojas do bairro.” Os meses de Outubro e Novembro foram igualmente sombrios. Diante dos maus resultados do início do Dezembro, Roberta começou a perder a fé: talvez fosse mesmo hora de fechar as portas. Antes de tomar qualquer decisão, porém, decidiu ligar para o filho. Precisava de lhe dizer que não encontrara aquele livro de música encomendado havia alguns meses. Mas, acima de tudo, precisava ouvir a voz do único filho. Aaron Durand, de 28 anos, estava no seu trabalho, numa empresa de calçados Birkenstock USA em Novato, na Califórnia, quando recebeu a chamada.

“Não consegui aquele livro para ti”, disse ela. “Tudo bem”, respondeu o filho. “Não tenho pressa.” Ela insistiu. “Não entendeste, eu não te posso ajudar. Os meus distribuidores não trabalham com essa editora. Vais ter de entrar on-line, procurar e encomendar o livro.” Estranhando o tom desanimado da mãe, Aaron perguntou: “Está tudo bem contigo?”. Ela disse apenas: “Sinto muito, filho, não posso te ajudar”. Indignado, Aaron mandou um email para o pai. “O que está a acontecer com a mãe?” Foi David Durand quem deu a notícia ao filho: a Broadway Books ia fechar suas portas.

Aaron ficou atónito. Ele tinha 12 anos quando sua mãe abriu a loja. Roberta era tão dedicada à livraria que a família costumava dizer que a mesma era sua filha. Perde-la seria um golpe terrível. Sem pensar, Aaron ligou o seu portátil, entrou na sua página no Twitter e começou a digitar: “Se estiver em Portland, pode-me fazer um favor? Compre um livro na Broadway Books. Não, espere, compre 3…”. Aaron costumava entrar no Twitter para contar aos amigos que música estava a ouvir ou para trocar ideias sobre minigolfe. Mas, naquele momento, as palavras vieram com mais força. Aaron teve uma inspiração, e completou: “…e eu pagarei um burrito da próxima vez que for à cidade”, digitou.

Aaron e os seus amigos usavam burritos (o famoso prato mexicano) como código. Era mais simpático dizer: “Eu pago-te um burrito”, do que: “Eu devo-te 5 dólares”. Ele não sabia por que havia associado os burritos às dificuldades vividas pela sua mãe, mas gostou do resultado final.

 

Depois, decidiu que seu o blog, chamado Everydaydude, também precisava de entrar nessa batalha. O site recebia pouco mais de 20 acessos por mês, mas ainda era a melhor ferramenta que ele tinha à disposição. Naquele dia, escreveu: “A loucura que é a nossa situação económica não me estava a incomodar. O dono da empresa onde eu trabalho havia dito que não ia despedir ninguém. Não tenho acções, nem sequer sei como comprá-las. Vivo um dia de cada vez e gosto que seja assim. Então, foi preciso levar um soco na cara para acordar. Isto aconteceu comigo ontem, e eu despertei.”

Aaron continuou a digitar, contando a história da mãe e explicando a importância da Broadway Books, tanto para a comunidade de Portland quanto para Roberta. Contou como havia descoberto que a loja estava em dificuldades. Confessou que quase havia chorado, mas disse que o desespero havia sido substituído pela raiva, e finalmente por uma decisão. “Então, vai ser assim. Vou estar em Portland de 15 a 19 de Janeiro de 2009. Encontrem-me no Cha Cha Cha, no dia 16 de Janeiro, às seis da tarde. Se tiver um recibo da Broadway Books com um valor superior a US$ 50, eu pagarei um burrito. Passe esta mensagem. Ganhe um burrito grátis! Apoie as empresas locais! Saia da internet!” Aaron fez uma pausa. Ele não era um escritor, mas sabia que seu texto precisava de um final atraente. “As dificuldades económicas vão acabar. Se acha  impossível, tente ver as coisas com mais optimismo. Esta é uma virtude que aprendi com a minha mãe.”

Depois de postar esta mensagem no seu blog, Aaron voltou ao Twitter com a finalidade de colocar um link para o seu texto no blog. O seu raciocínio era simples: mesmo que apenas algumas pessoas comprassem na livraria, pelo menos seria um reforço psicológico para sua mãe. Ao entrar no Twitter, viu que sua mensagem havia sido retransmitida por um amigo de Portland. Depois disso, outros amigos “retwitaram” o texto. No total, a mensagem foi repassada 30 vezes.

JOGADA DE MESTRE

A PROMESSA…
No dia 10 de dezembro, Aaron Durand prometeu pagar um burrito a todas as pessoas que comparecessem ao restaurante Cha Cha Cha, em Portland, no dia 16 de janeiro, com um recibo da livraria Broadway Books de mais de US$ 50.

 

A COBRANÇA…
No dia 16 de janeiro, diante de uma equipe de televisão local, Aaron e sua mãe pagaram 80 burritos e o restaurante banc
ou mais 40 para todos que compareceram. Algumas pessoas, porém, fizeram questão de pagar a própria conta.

Nos três dias seguintes, o blog Everydaydude recebeu três vezes mais visitantes do que o total dos dois meses anteriores. Amigos contaram a Aaron que haviam recebido emails de estranhos com um link para o seu blog. Nos escritórios da Nike e da Adidas em Portland, o texto de Aaron foi parar ao email de alguns funcionários, que o retransmitiram para toda a empresa. Na agência de publicidade Wieden+Kennedy, em Portland, Jeff Selis, um antigo cliente da Broadway Books, recebeu um email com um link para o blog de Aaron. Selis repassou a mensagem para toda a empresa. Em resumo: o pedido sincero de Aaron tornou-se viral. Quem estava com nenhuma fé nesta história era sua mãe. “Eu não sabia se era a favor daquilo tudo”, diz Roberta. “Fiquei comovida com a atitude do meu filho, mas estava muito abalada com a situação da loja.”

Um dia depois da publicação do texto no blog, a Broadway Books teve 12 vendas a mais que na mesma data no ano anterior. O crescimento manteve-se nos cinco dias seguintes. Em vez dos clientes habituais da loja, geralmente de meia-idade, os novos clientes tinham 20 ou 30 anos: eram jovens designers de calçado da Nike e da Adidas; pessoas que usavam gorros, phones, bicicletas. Todas compraram pelo menos três ou quatro livros – ou seja, estavam a atender ao apelo de Aaron. Roberta assistia àquilo tudo com surpresa e gratidão, mas não tinha esperança de que as coisas fossem realmente mudar. Assim que a neve chegar, pensou, os clientes vão desaparecer de novo. A primeira tempestade de neve do ano aconteceu na segunda-feira, 15 de Dezembro. O ar adquiriu um tom cinzento, um vento ártico soprou e o gelo partiu ramos de árvores e fez ruir cabos de electricidade. Ao ver as ruas cobertas de neve, Roberta teve certeza de que a festa havia acabado. Mal sabia ela que estava apenas a começar.

OS TWEETS QUE SALVARAM A LIVRARIA
Se estiver em Portland, pode-me fazer um favor? Compre um livro na Broadway Books. Não, espere, compre três e eu pagarei um burrito
10:42 AM, Dec 10th, 2008 from web
Apoie a sua livraria local. Em Portland, isto significa Broadway Books
12:54 PM Dec 10th, 2008 from web
@betsywhim Uau! Muito obrigado. As respostas que tive para este post foram muitas e incríveis. Nunca esperei tudo isto
7:45 PM Dec 11th, 2008 from web in reply to portlandmercury
Leia no meu blog: A loucura que é a nossa actual situação económica… http://tinyurl.com/5vs5oz
7:18 AM December 12th, 2008 from web

“Eu pensei que meus amigos leriam o blog e comprariam alguns livros. Não imaginava esta reacção”, afirmou Aaron Durand, filho de Roberta Dyer, proprietária da Broadway Books.

Em busca de histórias com espírito Natalício, os media de Portland decidiram apostar na história emocionante que envolvia livros, blogs e burritos. Um artigo sobre a batalha quixotesca de Aaron para salvar a livraria da mãe foi publicado na edição on-line de um jornal semanal. Uma afiliada de uma rede de TV produziu uma peça para o noticiário noturno. Enquanto isso, a neve cada vez mais alta impedia que os camiões entregassem as encomendas da Amazon e de outras livrarias on-line. Conduzir era impossível, mas o Natal aproximava-se e as pessoas precisavam de comprar. Foi aí que os habitantes de Portland caíram em si: por que não fazer a coisa certa e ir até a livraria do bairro?

Enquanto tudo isto acontecia, Aaron Durand, o autor da magia, acompanhava o movimento de longe. “Fiquei surpreso com a reacção das pessoas”, diz. “Achei que os meus amigos leriam meu blog, e talvez uns poucos comprassem alguns livros. Jamais imaginei que minha mensagem atingiria tantas pessoas.” Ao fechar as contas de Dezembro, Roberta percebeu que o impossível havia acontecido: ela havia vendido 7% a mais do que no ano anterior. Mais do que isso: Dezembro de 2008 ficaria para a história como o melhor mês de vendas da Broadway Books de todos os tempos. “Ganhei o ano”, diz Roberta. “Paguei todas as contas e ainda entrei no ano novo com folga para respirar.”

Agora, só faltava Aaron cumprir o acordo que havia feito com a blogosfera e pagar um número desconhecido de burritos para todos que aparecessem no Cha Cha Cha, em Portland.  No dia 16 de Janeiro, uma equipa de televisão compareceu no local para registar o grande evento. Aaron e sua mãe pagaram 80 burritos e o restaurante preparou mais 40. As presenças não foram muitas, mas foram entusiásticas: eram principalmente amigos de Aaron e dos seus pais. A maioria dos convidados não fez questão de comer de graça, apenas participou na festa. E a equipa televisiva conseguiu uma peça comovente para o jornal da noite.

Terminadas as férias, o filho de Roberta Dyer voltou para São Francisco, na Califórnia, e retomou o seu trabalho na Birkenstock USA, em Novato. Na sua primeira manhã de regresso, Aaron foi chamado ao escritório do presidente da empresa. “Pensei que ele me fosse despedir, porque eu havia gasto demasiado tempo no projeto da Broadway Books, quando deveria estar a trabalhar”, diz Aaron. “Em vez disto, ele deu-me os parabéns e disse-me que tinha ficado impressionado com a maneira criativa como eu usei as redes sociais. Depois, deu-me um aumento e promoveu-me para o departamento de marketing da empresa.”

Um mês depois da minha primeira visita, em Fevereiro de 2009, retornei à Broadway Books. A livraria estava silenciosa. Um casal de meia-idade parou para conversar e verificar os novos lançamentos de livros, mas saiu sem comprar nada. “É assim que são as manhãs”, disse-me Roberta. “Os negócios melhoram à tarde e durante o fim de semana. Domingo é nosso dia mais movimentado.” Depois de uma breve pausa, ela continuou: “É claro que o que aconteceu em Dezembro não salvou a livraria a longo prazo. A reação do público ao blog de Aaron foi uma coisa isolada, e só funcionou porque não foi forçada ou premeditada. Mas serviu para lembrar às pessoas a importância das lojas de bairro. Serviu para lembrar a todos que o lugar onde se compram os livros é importante. Por falar nisto, o que está a ler?”. Infelizmente, tudo o que havia lido nos últimos meses era a secção de desporto do jornal, respondi. “Venha comigo”, ela disse, com um brilho nos olhos. “Acho que tenho uma coisinha aqui que você vai gostar.”

MILAGRE NA RUA PORTLAND

A QUEDA…
Entre setembro e novembro de 2008, Roberta Dyer viu o seu negócio chegar ao fundo do poço. Com as vendas em baixa e a livraria deserta, só restava à empresária fechar a Broadway Books

 

O SALTO…
Depois que a livraria virou notícia na internet, os clientes voltaram com força total. Em dezembro de 2008, vendeu 7% a mais do que no mesmo mês do ano anterior. Foi o melhor mês de vendas na história da loja

Por John Brant, da INC, extraído da Revista PEGN

 

 

 


Licenciado e Mestre em Gestão de Empresas. Presidente da Gesbanha, S.A., especialista em capital de risco e empreendedorismo, investidor particular ("business angels") e Presidente da FNABA (Federação Nacional de Associações de Business Angels). Director da EBAN e da WBAA

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